A partir de uma investigação centrada em determinadas pressuposições e tensões que caracterizavam o ambiente intelectual francês das últimas décadas do século XIX, e seguindo um aparentemente crescente reconhecimento da participação do espiritualismo na formação intelectual dos ícones responsáveis pela emergência das ciências humanas na França, o presente estudo busca reinterpretar as obras de Jean-Marie Guyau e de Émile Durkheim, discutindo seus esforços teóricos para tornar viável uma ciência social. Propõe-se a reconsideração dos empreendimentos de Guyau e de Durkheim como uma extensão de problemas que já vinham se arrastando durante algumas décadas e que ganhavam expressão nas contraposições entre filosofia (ou psicologia) e ciência, espiritualismo e positivismo, liberdade e determinismo, repercutindo em polarizações como as entre atividade e passividade, moralidade e hábito. Sustenta-se então que as tentativas de solucionar, mediar ou resolver tais tensões tiveram participação decisiva e atuaram a um nível profundo de seus empreendimentos sociológicos. A especificidade das suas soluções àqueles impasses foi não só eleger raciocínios sociológicos, mas mediar as polarizações através da noção de moralidade. Isso explica a centralidade do problema científico da moralidade para a fundamentação de suas sociologias, passando a consistir tanto no maior desafio quanto no pilar capaz de sustentar uma ciência social. É com base nesse quadro sobre a questão da moralidade e de sua relação com a composição da vida psíquica que são interpretadas as noções de autonomia individual, regras de conduta, obrigação, hábito, vida e anomia, adentrando nos contrastes e semelhanças entre Guyau e Durkheim, bem como nas persistências e inovações trazidas por suas sistematizações teóricas. Analisando suas tentativas de promover sínteses entre o espiritualismo e o positivismo em seus principais trabalhos, o estudo procura se valer de uma série de contrapontos entre os dois autores a fim de elucidar elementos subjacentes a suas perspectivas, responsáveis pelos contrastes mais nítidos entre suas visões sociológicas. Com isso, busca-se fornecer uma interpretação mais prolongada sobre a sociologia durkheimiana, considerando seu desenvolvimento em suas sucessivas tentativas de resolver a transição entre passividade e atividade através da moralidade. Como pano de fundo à tese, comparece o que defendo ter sido uma árdua e intricada transição de um espiritualismo sociologicamente ingênuo para uma sociologia hiperespiritual avessa a uma noção de self desprendido do mundo.
Starting from an inquiry focused on certain presuppositions and tensions that characterized the French intellectual environment of the late nineteenth century, and following an apparent growing recognition of the participation of spiritualism in the intellectual formation of the icons responsible for human sciences emergence in France, this study seeks to reinterpret the works of Jean-Marie Guyau and Émile Durkheim, discussing their theoretical efforts to make a social science viable. It proposes reconsidering the contributions of Guyau and Durkheim as an extension of problems that had already been unresolved for a few decades, and which gained expression in oppositions between philosophy (or psychology) and science, spiritualism and positivism, determinism and freedom, reflecting on polarizations such as those between activity and passivity, morality and habit. Then, it is argued that the attempts to settle, mediate or resolve such tensions had acted decisively and deeply in their sociological endeavors. The specificity of their solutions to those dilemmas was not only to elect sociological reasoning for it, but also to mediate those polarizations through the concept of morality. This explains the centrality of the scientific problem of morality as groundwork for their sociologies, which can be seen both as the biggest challenge and as the pillar capable of sustaining a social science. It is based on this framework on the issue of morality and its relation to the composition of psychic life that notions such as individual autonomy, rules of conduct, obligation, habit, life and anomie are interpreted. It allows treading into the contrasts and similarities between Durkheim and Guyau as well as the persistence and innovations brought by their theoretical systematizations. Analyzing their attempts to promote syntheses between spiritualism and positivism in their major works, this study aims to use a series of counterpoints between both thinkers in order to elucidate some components underlying their perspectives responsible for sharper contrast between their sociological insights. Thus, it seeks to provide a more detailed interpretation of the Durkheimian sociology considering its development as repeated attempts to resolve the transition from passivity to activity through morality. As a background to this dissertation, the aim is to demonstrate an arduous and intricate transition from a sociologically naive spiritualism to a hyper-spiritual sociology averse to the notion of a disengaged self.
