A criminalização do racismo é produto da ação do Movimento Negro desde a década de 1940 quando percebeu a necessidade de impor limites institucionais a comportamentos discriminatórios que negavam à população negra cidadania. O processo de formação da consciência acerca do racismo como instrumento responsável pelas assimetrias entre negros e não negros passou pela superação de um discurso da miscigenação como marca constitutiva da nacionalidade brasileira. Neste sentido, a assunção da negritude e a valorização das africanidades compreenderam produto do desenvolvimento de um senso de autonomia que pudesse dialogar em condições de igualdade com o discurso hegemônico defensor da democracia racial. O marco constitucional de 1988, que previu a criminalização do ato racista, permitiu que diversas pessoas discriminadas criassem a expectativas que o Estado, na figura do Poder Judiciário, mediasse conflitos raciais, punindo os agressores. Surge, assim, uma avenida de estudos que enxergam na atuação do judiciário mais um fenômeno social a ser estudado e que pode alargar entendimentos da ação estatal em um regime democrático que busque atender as necessidades das pessoas. Neste sentido, a criminalização do racismo confere uma oportuna discussão de como o sistema punitivo e o direito penal dirigem atenção aos corpos negros. Historicamente, eles têm visto a população negra como principal destinatária das medidas repressivas. Ademais, os casos de racismo analisados sob a abordagem estatística revelam, em vários estudos, diferenças significativas de vitórias em benefício do réu e o direcionamento dos atos de racismo para tipo penal que não goza da mesma essência da previsão constitucional, o que acarreta prejuízos além daqueles visivelmente percebidos na trajetória processual. Diante deste quadro, qual a possibilidade de aferir a influência de elementos não jurídicos para o resultado final desses processos, cujo resultado final em sido favorável aos réus? Esta pergunta é respondida tendo como base um conjunto de decisões analisadas de tribunais de justiça brasileiros em sede de segunda instância. Este conteúdo orientou o desenvolvimento da tese de que elementos materiais identificados como raça/cor, ocupação e condição socioeconômica consorciam-se com o interesse particular que magistrados, como quaisquer empregados que veem na carreira profissional, a forma de realização de seus projetos pessoais. A primeira abordagem dirige atenção, pois, às partes e a segunda aos juízes, vistos como pessoas e não como a personificação da justiça.
The criminalization of racism is a product of the Black Movement's action since the 1940s when it realized the need to impose institutional limits on discriminatory behavior that denied to the black population citizenship. The process of raising awareness about racism as an instrument responsible for the asymmetries between blacks and non-blacks went through the overcoming of a miscegenation discourse as a constitutive mark of Brazilian nationality. Indeed, the nigger sum, and the valorization of African identities are an outcome of the development of a sense of autonomy that could dialogue in conditions of equality with the hegemonic discourse defender of racial democracy. The constitutional framework of 1988, which provided for the criminalization of the racist act, allowed several discriminated persons to create expectations that the State, in the figure of the Judiciary, would mediate racial conflicts, punishing the aggressors. An avenue of studies appears that sees in the action of the judiciary another social phenomenon to be studied and that can extend understandings of the state action in a democratic regime that seeks to provide the needs of the people. In this sense, the criminalization of racism allows an opportune discussion of how the punitive system and criminal law aim to black bodies. Historically, they have seen the black population as the main target of repressive measures. In addition, the racism cases analyzed under the statistical approach reveal, in several studies, significant differences of victories for the benefit of the defendant. Furthermore, those judicial claims are not understood as racial discrimination, but another criminal type that does not gather the same essence of the constitutional provision, which entails losses beyond of those visibly perceived in the procedural trajectory. Given this framework, what is the possibility of assessing the influence of non-legal elements for the outcome of these processes, whose outcome was favorable to the defendants, in majority of the cases? This question is answered based on a set of judgments reviewed by Brazilian courts of second instance. This content guided the development of the thesis that material elements identified as race / color, occupation and socioeconomic condition join with the private interest that magistrates, like any employees who see in the professional career, the form of realization of their personal projects. The first approach therefore draws attention to the parties and the second to the judges, who are persons and not the personification of justice.